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29.4.22

Deputado pede verba para obras em que é acusado de receber propina

 O parlamentar postou um vídeo no Instagram na segunda-feira (27) em que aparece ao lado de outros políticos e do secretário Nacional de Segurança Hídrica, solicitando recursos para a empreitada.

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O deputado federal Wilson Santiago (Republicanos-PB) vem pedindo publicamente que o governo Jair Bolsonaro (PL) libere verbas para um trecho de uma obra em que ele é acusado de receber R$ 1,2 milhão em propina.

O parlamentar postou um vídeo no Instagram na segunda-feira (27) em que aparece ao lado de outros políticos e do secretário Nacional de Segurança Hídrica, Sergio Luiz Soares de Souza Costa, solicitando recursos para a empreitada.

A postagem foi feita um dia antes de o Conselho de Ética da Câmara instaurar processo de cassação contra ele, mais de dois anos depois de o STF (Supremo Tribunal Federal) ordenar seu afastamento por suspeita de desvios nessa obra -bancada com dinheiro federal e que tem o objetivo de mitigar os efeitos da seca no interior da Paraíba.

Santiago foi alvo da operação Pés de Barro, em dezembro de 2019. A Polícia Federal, com base nos relatos de um empresário que se tornou delator, gravou e filmou as entregas de propina provenientes do superfaturamento da obra da construção da adutora Capivara.

A adutora ligaria as cidades São João do Rio do Peixe e Uiraúna e é parte de um sistema hídrico para atacar os problemas com a seca enfrentados pelos municípios da região do Vale do Rio do Peixe, no interior da Paraíba, ao interligar reservatórios de água ao eixo norte da transposição do rio São Francisco.

"Nós que conhecemos a região, sabemos da importância da adutora Capivara, ela é essencial para atender 14 municípios do Vale do Rio do Peixe. Eu tenho certeza que o dr. Sergio, representante do Ministério do Desenvolvimento Regional, irá fazer de tudo para solucionar esse problema que tem dificultado a vida da população", disse o parlamentar no vídeo postado na segunda.

A Folha de S.Paulo procurou Wilson Santiago, sua assessoria de imprensa e o advogado Luiz Henrique Machado, responsável pela sua defesa na operação Pés de Barro. Eles não responderam até a publicação desta reportagem.

A obra é utilizada pela Polícia Federal como um dos argumentos para pedir a prisão preventiva de Wilson Santiago na operação Pés de Barro -o então ministro do STF Celso de Mello não acolheu o pedido e somente ordenou o afastamento do cargo.

No entendimento da PF, a prisão era necessária porque as conversas gravadas pelo delator, o empresário George Barbosa Ramalho, da Coenco Construções, apontavam para o interesse de Santiago e do prefeito de Uiraúna, João Bosco, em futuros aditivos ao contrato de R$ 24 milhões de onde saiu o R$ 1,2 milhão em propina que o parlamentar é acusado de receber.

"Tendo chegado ao conhecimento do colaborador nos últimos dias articulações políticas de Wilson Santiago em Brasília/DF para que um aporte adicional de R$ 30 milhões fosse liberado para a obra da Adutora Capivara", diz o documento da PF sobre a suspeita.

Logo após a citação, a PF transcreve uma outra postagem de Santiago no Instagram, de abril de 2018, em que ele fala do trecho que ligaria a adutora ao eixo norte da transposição do rio São Francisco -mesma obra para a qual ele agora busca verba no Ministério do Desenvolvimento Regional.

"Assinamos hoje a ordem de serviço da adutora extremo oeste, que vai integrar a barragem da Capivara ao Eixo Norte da Transposição do rio São Francisco. Nessa primeira etapa, o valor de 30 milhões de reais será investido nessa magnífica obra. O valor total da obra é de 70 milhões de reais", dizia a postagem.

O deputado Wilson Santiago foi denunciado por corrupção e organização criminosa pela Procuradoria-Geral da República em 21 de dezembro de 2019, dois dias após ser alvo da operação Pés de Barro e ter sido afastado do cargo por ordem do então ministro Celso de Mello.

Entre outras provas, a PGR cita as gravações de entrega de propina feitas pela PF e pelo empresário George Barbosa.

Em uma delas, a PF acompanhou a entrega de R$ 50 mil para o secretário parlamentar Israel Nunes de Lima, do gabinete do deputado, no aeroporto de Brasília. Após o recebimento, o assessor levou os valores ao Congresso.

O registro foi feito em 7 de novembro de 2019 e teria origem em um acerto feito antes e cujas conversas entre o empresário e Evani Ramalho, que também trabalhava com o deputado, foram gravadas.

"À Evani Ramalho caberia o gerenciamento contábil das importâncias indevidas recebidas de George Barbosa e a coordenação logística das atividades da organização. A Israel, por sua vez, tocaria a incumbência de auxiliar Evani no recolhimento da propina", diz a PGR.

O próprio deputado foi gravado pelo delator e em uma conversa pergunta a George Barbosa: "Tu acha que resolve essas coisas sem dar nada a ninguém?". A fala foi no contexto das negociações sobre propina na obra da adutora Capivara.

Segundo a PGR, a atuação do deputado seria para agilizar o fluxo de verbas do Ministério da Integração Nacional, antigo Ministério do Desenvolvimento Regional, para bancar a obra.

Após ser afastado e denunciado, em fevereiro de 2020, a Câmara se reuniu para decidir se mantinha a decisão do STF, mas apenas 170 deputados votaram a favor da decisão do STF –eram necessários ao menos 257. Foram 233 contrários, 7 abstenções e 102 ausências.

Houve um movimento liderado pelos partidos do centrão para livrar Santiago sob o argumento de que não há amparo legal no afastamento de um parlamentar por uma decisão monocrática de um juiz, feita de forma cautelar, sem que haja condenação.

Decisões do Supremo de afastar parlamentares do mandato são controversas –especialmente as tomadas por um único ministro, sem que houvesse condenação, como no caso de Santiago. Por outro lado, defensores do afastamento apontavam risco às investigações.

Na época, o discurso dos parlamentares foi o de que o caso seria tratado pela instância adequada, o Conselho de Ética da Câmara, o que não ocorreu nos dois anos seguintes.
A demora na abertura do processo faz com que sua cassação seja vista como inviável em ano eleitoral, quando o segundo semestre é marcado pelo esvaziamento da atividade no Congresso devido à presença dos parlamentares em suas bases para a campanha.

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