Mais perseguição, mais ameaças aos crentes, mais impunidade. O Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, apresentado hoje em Lisboa, faz um retrato preocupante deste direito humano fundamental. Os números não permitem segundas leituras: a liberdade religiosa é fortemente restringida em 61 dos 196 países do mundo. Isto significa uma ameaça directa para 4,9 mil milhões de pessoas
A um direito humano fundamental, mas não é respeitado. No mais recente Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, produzido pela Fundação AIS e divulgado oficialmente hoje, não há margem para dúvidas. O direito humano à liberdade de pensamento, de consciência e de religião é violado em cerca de um terço dos países do mundo, ou seja, em 61 das 196 nações. Mas o Relatório da AIS aponta para outro dado também brutal e inquietante: Quase 4,9 mil milhões de pessoas, ou seja, 62% da população mundial, vivem em países onde a liberdade religiosa é fortemente restringida. O estudo, produzido a nível internacional por uma equipa pluridisciplinar da AIS, abrange os anos de 2021 e 2022, indica que dos 61 países onde a discriminação e a perseguição são claramente visíveis, consegue-se perceber que em 49 deles, é o próprio governo que persegue ou mesmo assassina os seus cidadãos por motivos religiosos. E isto acontece sem praticamente qualquer reacção da comunidade internacional.
Mapa global
O Relatório da Fundação AIS indica os países onde se regista algum tipo de violência, discriminação ou perseguição por motivos religiosos, e cataloga-os segundo a intensidade em que isso se verifica. No mapa global, 28 Estados estão marcados a Vermelho como países que se transformaram de alguma forma nos locais mais perigosos do mundo para a prática livre da religião, e 33 estão a Laranja, indicando elevados níveis de discriminação. Em 47 destes países, a situação piorou desde a publicação do último Relatório, ao passo que a situação apenas melhorou, em termos de liberdade religiosa, em nove deles. Uma das constatações da leitura deste documento é que as minorias religiosas têm sido particularmente vulneráveis, enfrentando discriminação, perseguição e violência com pouca resposta da comunidade internacional. O silêncio cúmplice do mundo contribui muito para esta cultura de impunidade de regimes que por questões considerados estrategicamente importantes para o Ocidente, que acabam por não ser objecto de sanções internacionais ou de quaisquer outras consequências pelas suas violações da liberdade religiosa. O mesmo se aplica a países como a Nigéria e o Paquistão. Outro exemplo dos regimes opressivos, é a Nicarágua, onde se registam níveis muito elevados de violações à liberdade religiosa.
China, India, Paquistão…
Ao longo dos anos de 2021 e 2022, a China e a Coreia do Norte continuam a ser os dois países da Ásia com o pior registo de violações dos direitos humanos, incluindo a liberdade religiosa, com o Estado a exercer um controlo totalitário através da vigilância e de medidas extremas de repressão contra a população. Mas a Índia e o Paquistão merecem também uma atenção muito especial. Na Índia, regista-se o aumento dos níveis de perseguição, fruto de um nacionalismo étnico-religioso que prejudica as minorias. Exemplo disso, foram aprovadas ou poderão vir a ser implementadas leis anti-conversão em 12 estados da Índia, com penas que podem ir até 10 anos de prisão. No Paquistão, verifica-se uma continuidade de incidentes relacionados com a conversão religiosa forçada de raparigas e mulheres cristãs e hindus, duas das principais minorias religiosas do país, o que se traduz em raptos e violência sexual, incluindo casos de escravatura sexual.
África, continente violento
A pandemia de COVID-19, os conflitos geopolíticos, as crises económicas e a ascensão de autocratas desviaram a atenção e os recursos da resolução das violações deste direito humano fundamental. Uma das regiões do globo onde a perseguição por motivos religiosos se acentuou mais foi em África. Este continua a ser o continente mais violento, com um aumento dos ataques jihadistas, o que torna a situação da liberdade religiosa ainda mais alarmante. A concentração da actividade jihadista é especialmente evidente na região do Sahel, em torno do Lago Chade, em Moçambique e na Somália, e está a alastrar para os países vizinhos, muitos dos quais permanecem sob observação, tendo sofrido ataques islamistas nas suas fronteiras.
Perseguição educada
Mas não se pense que na Europa está tudo bem. O relatório produzido pela Fundação AIS chama a atenção para a preocupação com os crescentes limites à liberdade de pensamento, consciência e religião nos países que pertencem à Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, a OSCE. Nos últimos dois anos, o Ocidente passou de um clima de “perseguição educada” àqueles que querem viver e expressar abertamente a sua fé para um clima de “cultura do cancelamento” e de “linguagem forçada”, com uma forte pressão social para estar em conformidade com as tendências ideológicas actuais. Como nota positiva, assinala-se um aumento das iniciativas de diálogo inter-religioso e o regresso às celebrações religiosas sem restrições em muitos países, após o confinamento imposto pela COVID-19.
Assembleia da República
O Relatório hoje divulgado é o primeiro documento produzido com a chancela da Fundação AIS durante o mandato de Regina Lynch como nova presidente executiva internacional da instituição pontifícia. Além de Lisboa, o Relatório da fundação pontifícia vai ser divulgado nomeadamente em Madrid, Roma, Berlim e Paris, num total de 10 países em três continentes, em sessões que vão contar com figuras públicas de relevo, como é o caso do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Itália e do Cardeal Mauro Piacenza, que vão participar no evento na Embaixada italiana na Santa Sé, ou de Augusto Santos Silva, o presidente da Assembleia da República de Portugal, que vai participar na sessão que terá lugar no Palácio de São Bento.
Além da segunda figura da hierarquia do Estado, o lançamento do Relatório sobre a Liberdade Religiosa vai contar, em Lisboa, com o testemunho do padre espiritano Bernard Adukwu, oriundo da Diocese de Idah, na Nigéria, e a participação do presidente da Comissão para a Liberdade Religiosa, Vera Jardim, e do ‘publisher’ da Rádio Observador, José Manuel Fernandes, que fará a análise às principais conclusões do documento. Durante a sessão, que contará também com a presença de Catarina Martins de Bettencourt, directora do secretariado português da Fundação AIS, e terá início pelas 19 horas, será exibido um vídeo produzido pela Ajuda à Igreja que Sofre AIS com as principais conclusões do Relatório. A sessão terá transmissão em directo pelas redes sociais da Fundação AIS.
Alateia
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