A Anistia Internacional, ONG de direitos humanos, alertou para o que chama de "trauma vicário" -uma espécie de trauma vivido em segunda mão
Na última semana, o Ministério das Relações Exteriores de Israel divulgou fotos de bebês mortos durante um ataque do Hamas. No X (ex-Twitter), publicaram também um vídeo em que pessoas carbonizadas são vistas dentro de um automóvel. Ao mesmo tempo, civis palestinos denunciam os bombardeios de Israel nas redes sociais e compartilham vídeos que vão de corpos em hospitais a crianças chorando a perda de familiares.
Tel Aviv parece ter como estratégia expor à comunidade internacional, em canais oficiais, esses massacres. Assim como os civis palestinos divulgam imagens para denunciar o sofrimento ao qual estão submetidos e pedir ajuda.
Mas o que acontece quando ficamos constantemente expostos a esse tipo de conteúdo? A Anistia Internacional, ONG de direitos humanos, alertou para o que chama de "trauma vicário" -uma espécie de trauma vivido em segunda mão, por causa da empatia, que pode gerar sintomas debilitantes.
O QUE SIGNIFICA TRAUMA VICÁRIO
O termo surgiu na década de 1990, principalmente em relação a profissionais de saúde. O conceito refere-se a quando uma pessoa não viveu o trauma principal, mas pode experimentar um resíduo emocional dele. Também é conhecido como "custo do cuidar" e "fadiga da compaixão", diz a psicóloga especialista em trauma Ediane Ribeiro.
Segundo ela, a expressão foi designada para falar de um trauma que afeta pessoas diretamente em contato com vítimas do sofrimento durante parte crucial da sua rotina, como o trabalho. No caso da guerra Israel-Hamas, seriam enfermeiros, médicos, psicólogos, trabalhadores voluntários e jornalistas, afirma.
Profissionais da saúde e dos direitos humanos, porém, dizem que o termo foi ampliado para abarcar quem, de forma passiva, assiste a esse sofrimento. "Existe uma superexposição das pessoas comuns a imagens fortes, notícias e situações de extremo estresse", diz Alexandra Montgomery, diretora de programas da Anistia Internacional Brasil.
"Os pesquisadores da Anistia que estão em campo [na guerra] e estão trabalhando o tempo todo, mesmo eles precisam fazer revezamentos e tomar pausas dessas exposições. E essas são pessoas que recebem treinamento. As pessoas comuns hoje não têm tido muita oportunidade de não ter contato com essas histórias, porque as informações e muitas vezes até desinformações estão junto com elas dentro do bolso, que são celulares e redes sociais", afirma a especialista em direitos humanos.
Diferenciações conceituais à parte, Ribeiro concorda que esse contato pode provocar um impacto no nosso sistema nervoso. "Info intoxicação", diz. "Que é o estresse de você estar exposto diariamente a imagens e informações de traumas impactantes". De qualquer forma, ela diz, essa exposição pode gerar uma reação traumática.
E não é só em relação à guerra. "Falo da nossa violência urbana também, do quanto a gente é exposto a imagem, notícia e ao sofrimento de quem é diretamente atingido. Acho que chega a um limite do que nós podemos tolerar sem agredir a nossa saúde mental. Esse limite está muito tênue, a gente está muito exposto", afirma a psicóloga Maria Helena Pereira Franco, professora e coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto (LELu), da PUC-SP.
QUAIS SÃO OS SINTOMAS DO TRAUMA
Para ficar em alerta, os especialistas recomendam se atentar a alguns sintomas que podem indicar o trauma:
- Humor flutuante tanto para tristeza quando para raiva
- Hipervigilância e estado de alerta durante tarefas rotineiras
- Dificuldade em expressar os sentimentos
- Alteração no padrão do autocuidado e qualidade de vida (comer demais ou muito pouco, dificuldade para dormir ou para manter o sono, pesadelos)
- Preocupação constante com memórias intrusivas
- Não conseguir sair do humor depressivo
- Sensação de anestesiamento diante das informações
- Maior ansiedade
Os sintomas e o grau de afetação depende da sensibilidade de cada um, explica a psiquiatra Luciana Siqueira, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo). Em alguns casos, a exposição pode levar a reações de ajustamento que não necessariamente são um trauma, diz.
"Num primeiro impacto, causa taquicardia, horror, choro e pode durar alguns dias ou algumas horas. Depois, você vai se adaptando. Mas em algumas pessoas pode ser deflagrador de condições mais sérias", afirma Siqueira.
COMO LIDAR COM O TRAUMA
Às vezes, um conteúdo vem com o aviso "Imagens fortes". O conselho da especialista em luto Maria Helena é simples: "Não abra".
"É necessário limitar a quantidade de exposição que você tem à cena que pode ser geradora do trauma", afirma. Além disso, diz ela, quando os sintomas já são perceptíveis, ajuda colocar em palavras pensamentos e sentimentos, seja conversando com pessoas próximas ou escrevendo de forma livre. Também é possível haver a necessidade de buscar ajuda profissional.
"Algumas pessoas terão muita dificuldade em continuar mantendo a rotina sem o peso da experiência traumática", diz a psicóloga.
Afastar-se dos conteúdos mais fortes, não significa não ter empatia, diz Montgomery. "Não é você não se importar com quem está na guerra, com quem está sendo agora, nesse momento bombardeado. Não é isso. A pessoa ainda sente solidariedade, empatia e está em unidade de propósitos àqueles que sofrem. Mas significa que ela precisa se proteger".
Montgomorey afirma ainda que as plataformas de redes sociais precisam revisar quais conteúdos deixarão disponíveis indefinidamente para todas as pessoas. "Quanto mais esses conteúdos sensacionalistas são compartilhados, muitas vezes de uma maneira até desavisada e sem checagem, mais as pessoas se deparam com situações de muita violência. E não é possível prever como a pessoa estará no momento em que recebe a mensagem".
Po:r NotíciasaoMinuto
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