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29.11.23

Maioria dos médicos desconhece potencial de dependência de remédios que prescrevem, alerta psiquiatra americana

 Em seus 20 anos de experiência clínica, a psiquiatra americana Anna Lembke percebeu que cada vez mais pacientes chegavam aos consultórios e hospitais com um quadro de dependência dos medicamentos que haviam sido prescritos para tratar de suas dores físicas ou sofrimento mental.

Em outras palavras, o que era oferecido como uma solução acabava se tornando um grave problema a longo prazo.

Os relatos que Lembke ouviu no consultório são apenas um pequeno recorte de um problema muito maior nos Estados Unidos.

O país enfrenta uma epidemia de drogas prescritas, que afeta, em especial, os mais jovens.

Em 2022, o número de overdoses de drogas nos EUA aumentou novamente e chegou a 100 mil, tendo como principal agente causador o fentanil, um opioide 50 vezes mais poderoso que a heroína, adquirido de forma ilícita.

A partir de relatos de pacientes e de seus familiares, pesquisas científicas e entrevistas com profissionais de saúde, administradores de hospitais, jornalistas e farmacêuticos, entre outros, Lembke, que é chefe da Clínica de Medicina de Adicção de Duplo Diagnóstico de Stanford, escreveu Nação Tarja Preta (Editora Vestígio), que chega ao Brasil após o sucesso de seu livro anterior, Nação Dopamina, pela mesma editora.

O novo livro de Lembke ajuda a entender as consequências dos atuais modelos de cuidado com a saúde, sejam públicos ou privados.

Segundo ela, pouco tempo para consultas, aumento indiscriminado da disponibilidade de medicamentos, falta de acompanhamento de seus usos, educação deficiente no entendimento dos riscos de dependência e influência do marketing nas prescrições configuram um sistema que precisa ser revisto.

"A escolha da prescrição não é motivada principalmente pela ciência médica, mas, sim, pela influência da indústria, muitas vezes de forma oculta", diz ela, em entrevista por telefone, à BBC News Brasil.

O acesso a medicamentos nos EUA é mais fácil se eles são do tipo não controlados, que respondem pela maioria das prescrições.

Já os medicamentos controlados são aqueles que apresentam risco de dependência.

O problema, segundo Lembke, é que uma droga não controlada "pode passar a ser controlada se, ao longo do tempo, seu potencial de adicção vier à luz", adverte em seu livro, citando o analgésico tramadol, aprovado para uso não controlado em 1995 e reclassificado como medicamento controlado em 2014.

O cenário analisado é o dos EUA, mas, no prefácio da edição brasileira, Lembke demonstra que precisamos aprender com os erros dos americanos.

Entre 2009 e 2015, a comercialização de opioides (potentes analgésicos que aliviam a dor) prescritos aumentou 465%, ao mesmo tempo em que aumentaram também os investimentos no marketing de medicamentos relacionados.

As maiores altas foram vistas nas vendas de codeína, oxicodona e fentanil.

Lembke se mostra cautelosa em não estigmatizar o uso e a aplicação de medicamentos controlados e direciona sua crítica ao modo como o sistema funciona, em que os comprimidos prescritos com a boa intenção de aliviar uma condição acabam se tornando fatais aos pacientes que se tornam dependentes.

"Mais importante ainda, por que continuamos prescrevendo e consumindo essas drogas perigosas, mesmo sabendo disso?", questiona ela, em Nação Tarja Preta.

Por:BBCNews

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