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5.12.23

Ter Suárez no Brasil foi um barato e atendeu, mesmo que num sopro, nossa carência por jogadores de elite

 Acabou a passagem de Suárez pelo Brasil, curta, mas certeira num país carente de futebol de elite

Houve um dia em que o melhor futebol do mundo jogava aqui para a gente, atravessando a rua, descendo da estação, um pulo no estádio depois do almoço, da praia, do trabalho, e pronto, ali estavam os melhores. É como se Lebron James, Serena Williams ou Usain Bolt, pegando alguns extraclasses deste tempo, estivessem todo final de semana competindo nas nossas esquinas, a um ingresso popular de ver bem de perto.

Quando o Brasil ganhou a Copa do Mundo em 1958, todo o elenco disputava o Campeonato Paulista ou o Campeonato Carioca, além dos pegas no Rio-SP. Em 1970, regionais à parte, os 22 já começavam a se encontrar mais fortemente em termos nacionais, e o time de 1982, o mais querido dentre os sem título, tinha só dois jogadores trabalhando lá fora. O torcedor brasileiro moldou sua paixão entendendo que o melhor possível corria ali, depois do fosso, do alambrado. Alguns vão dizer que se trata de arrogância, mas é a nossa realidade formadora. Melhor entender como lidar com ela do que negá-la.

Não precisamos nos aprofundar sobre as mudanças do mundo, mas, em linhas gerais, abriu-se o mercado, encurtaram-se as distâncias, o trânsito de jogadores virou um grande negócio e o Brasil se tornou a periferia da bola por óbvia razão econômica. No início do século o campeonato de exportação viveu seu auge, e era fato consumado que a turma boa de bola partiria logo mais, sem grandes cerimônias, como o meio de 2004 em que os destaques do Brasileirão foram à Copa América e já firmaram suas despedidas rumo à Europa ali mesmo, como Renato, Luís Fabiano, Alex, Maicon, Cris, Diego e Vágner Love. A imprensa até dizia que havia o time de antes da janela europeia e o time de depois.

O futebol brasileiro passou por um empobrecimento gradual

Gradativamente esse foi virando o assunto do futebol brasileiro. O ponto crítico da montagem do elenco gira basicamente em entender se vai conseguir segurar os destaques por mais uma temporada e qual a oportunidade de possível repatriação do estrangeiro. O Brasil na Copa de 2006, a seleção que chega como melhor do mundo e quase alçada à condição de Harlem Globetrotters com seu quadrado mágico, tem só três nomes atuando no Brasileirão, sendo dois remanescentes do penta – Rogério Ceni e Ricardinho – e um chamado para substituir um lesionado, no caso Mineiro, do São Paulo, na vaga de Edmílson, do Barcelona. A nata está longe.

O Santos faz um esforço (apesar da negociação prévia controversa com o Barcelona) para segurar Neymar além da média, enquanto Adriano, Ronaldo, Roberto Carlos, Ronaldinho, entre outros, estão voltando para um último suspiro. É uma liga de aspirantes: os meninos jogam de passagem, um caminho para chegarem às camisas que viam pelo videogame, e lá se vão agora Vitor Roque e Endrick para a dupla de gigantes da Espanha; e os veteranos também jogam em trânsito, esses num caminho de reencontro com suas raízes que casa com um nível técnico mais acessível, e assim a gente tem um pouquinho, uma saideira, de um Deco, um Filipe Luís, um Marcelo, a turma que se firmou por lá e voltou. Eles ajudam a nos dar um gosto do que é a excelência técnica sob a emoção direta dos sentidos, não a mediação da TV. E aí surge Luís Suárez.

Suárez foi um alento em meio à carência pela elite

A longa introdução é para apoiar que existe uma carência de assistir jogadores de elite no Campeonato Brasileiro. O torcedor sente falta do craque, de quem trata a bola de um jeito inalcançável para nós, meros peladeiros. Para usar o termo de hoje, ver de perto o tal gesto técnico mais apurado. O campeonato melhorou de nível nos últimos anos, as arenas pós-Copa favoreceram os programas de sócio-torcedor e a média de público, os clubes estão conseguindo manter salários altos por mais tempo, a exigência da tabela subiu. E vem um jogador raro, com o qual pouca gente mudo afora senta na mesma mesa, passar uma temporada quase derradeira, mas o suficiente para ser marcante e arrancar um sorriso do rosto de quem viu.

Suárez é um jogador de um perfil bem particular, sem muitos pares na atualidade. É incontestável na elite e passou o auge fardando algumas das maiores camisas do mundo, decidindo para Liverpool, Barcelona e para o Uruguai em Copa do Mundo. É competitivo e fominha, no bom sentido, daqueles caras que é difícil você imaginar que não esteja dando seu máximo independentemente do jogo vigente estar correndo por uma previsível primeira fase de Gauchão.

Luisito tem, e você percebe de longe, o sentimento do jogo em dia, mesmo aos 36 anos e sem a saudosa firmeza nos joelhos. E é de se contar nos dedos os artilheiros com tamanha capacidade de clarear um lance ou achar um chute com tamanha precisão, coisa de cravar Messi, Cristiano Ronaldo e só, talvez chamando para o bolo Benzema, Harry Kane, e não muito mais gente do que isso. De Ronaldo Fenômeno para cá, de quem atravessou esse século, falaria de Thierry Henry, possivelmente esquecendo alguém, mas é um clube restrito. No caso, trata-se de uma figura unânime, que não importa onde desembarcasse no Brasil, não haveria que se preocupar com qualquer ruído de rejeição. Sorte para o Grêmio.

Não que seria fácil, porque jogar com Suárez pode ser menos simples para desavisados ou marinheiros de primeira viagem. O uruguaio é um reclamão nato, não necessariamente pesando na cabeça dos seus colegas, mas uma referência de ataque exigente com as escolhas à sua volta, que vai sempre esperar um cruzamento mais ajustado, um último passe ao invés de um chute apressado. E também é um centroavante que busca a tabela, que serve e se associa com quem toca rápido à sua volta, que consagra meias entrando na área no tempo certo e pontas com a precisão da última linha. É preciso estar atento e forte para jogar ao lado de um craque que facilita tanto as jogadas ao seu redor.

Foi no Campeonato Brasileiro o auge de Suárez pelo Grêmio

Mas a coisa embalou no Brasileiro e fluiu bonita, apesar de certa irregularidade defensiva gremista. Os melhores momentos do Grêmio na Série A tiveram total influência de seu camisa 9, vale dizer também que muito bancado por Renato Gaúcho, fiador irrestrito do privilégio à técnica e que firmou seu craque por longos minutos em campo, mesmo longe da resistência física ideal. Nesse recorte final daria para falar da bola que Suárez achou para a vitória apertada sobre o Palmeiras, virtual campeão, e do protagonismo nas viradas contra América-MG e depois Botafogo, concorrente direto, em que ele fez um total de quatro gols e duas assistências. Também esses gols de 1 a 0 contra Bahia e agora Vasco, em seu último jogo diante da torcida tricolor em Porto Alegre, com a chapa de direita que ele coloca há tempos no canto da rede.

O Grêmio chega à última rodada no quarto lugar da tabela, dependendo só das próprias forças para ir à fase de grupos da Libertadores (está garantido ao menos na fase eliminatória prévia). As 26 participações em gols, fora o tanto de bola boa que Suárez clareou e não deu em nada, sustentam esse carro-chefe para fazer o clube voltar da Série B direto para a disputa continental que já venceu três vezes.

Os números serão marcantes, mas não vão explicar o barato que foi ver Suárez jogando aqui, quarta e domingo, correndo entre os nossos, nos reafirmando aquela presença cristalina, sensível, de alguém realmente diferente entre os caras correndo atrás da bola. Um sopro, efêmero como a gente tem dado conta para ter os maiores, mas muito, muito legal de presenciar. E que não deixa muitos herdeiros nem próximos convidados, porque a lista de quem seria capaz de tamanho impacto é muito curta, já que falamos dos maiores, maiores mesmo, de toda uma geração. Terá sido, nesse pacote de uma liga maluca, o ano de Luís Suárez em Porto Alegre, e muitas vezes é isso que faz valer a pena.

Por Trivela

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